
Quando chega em casa, chora todas as suas dores, desce do seu salto 15 de verniz e vê seu calcanhar de Aquiles. É aqui que ela se mostra, e mais que tudo se vê. De dentro pra fora. No seu espelho de moldura antiga.
Disseram que o espelho é magico.
Mostra mais que apenas a imagem, mostra a verdade. Mais hoje ela não podia se olhar no espelho, precisava de uma ilusão, uma mentira pra acreditar e justificar seus erros, algo que amenizasse sua dor...
Por baixo da sombra e do batom as marcas, por trás dos sorrisos de bom dia, a dor indissolúvel, a saudade de casa. E olha que este quarto ela conhecia bem, cresceu e se perdeu ali, dentro dessas paredes que tantas vezes a aninharam e tantas outras a expulsaram dali...
Um mundo todo criado, paralelo e surreal... mais tudo o que ela tinha estava ali, só ali ela era verdade e não farsa. Só ali ela podia tirar as mascaras e olhar no fundo de seus próprios olhos, que tantas vezes, nem sequer os reconheceu...o brilho, a cor, nada disso era mais seu, não pertencia mais a garotinha, ela perdeu. É como ter sem possuir, a ordem da perca não vem de quem possui, mais de quem se sente vilipendiado no meio do dia.
Ali, ela criou seus mundos imaginários... seu conto de fadas... num reino encantado e sombrio, o Lord, monárquico e intransigente, dizia-lhe que tinha que buscar conhecimento para salvar a sua alma, talvez ele soubesse algo a mais sobre ela... ela nunca pode sequer lhe tirar a mascara... o que será que ele escondia, talvez olhos de anjo?
Ela havia se perdido, mais a menininha do abismo, que guardava pequenos nada, ninharias sem importância, gostava do seu sorriso, e mesmo quando ela se mostrava fraca e insegura, ainda assim ela voltava.... e sempre lhe mostrava outro caminho.
Ela mais uma vez tinha se perdido... com um pouco de álcool e alguns comprimidos... ela não quis se olhar no espelho... sabia que ali existiam coisas que ela não veria nunca.
*Certas coisas só se vêem olhando de fora, outras de dentro, e outras não se vêem nunca.